A Janela de Oportunidade: Por que a Neuromodulação Funciona Melhor com Terapia Associada

Este texto nasceu de uma conversa rica e inspiradora com Mirela, terapeuta ocupacional e especialista em neuromodulação não invasiva, durante mais uma edição do nosso Café com Especialista — iniciativa da Clínica Blumei que aproxima profissionais de diferentes áreas para discutir temas relevantes em saúde mental.

Mirela tem formação em neuromodulação pela UNIFESP e é referência na aplicação de estimulação transcraniana por corrente contínua (tDCS) em pediatria, atendendo crianças com paralisia cerebral, transtorno do espectro autista e outros transtornos do desenvolvimento. É uma das poucas profissionais de Marília habilitadas nesta técnica. Ela atende na TOMM Marília e pode ser encontrada no Instagram em @mirelamorenoto_.

Nesta conversa, falamos especialmente sobre a neuromodulação não invasiva por corrente contínua — uma abordagem que utiliza correntes elétricas suaves para modular a atividade cerebral sem cirurgia. E fomos direto a um ponto central: por que essa técnica é mais efetiva quando associada a outras terapias? Para explicar isso, Mirela trouxe um conceito-chave: a chamada janela de oportunidade neuroplástica.

O que é Neuromodulação Não Invasiva

Já explicamos em outro texto o conceito de neuromodulação, mas vale retomar os pontos principais: neuromodular significa, em termos simples, ajustar o funcionamento do sistema nervoso. A neuromodulação não invasiva usa estímulos físicos — como correntes elétricas de baixa intensidade ou campos magnéticos — para regular a atividade de regiões específicas do cérebro, sem necessidade de implantes ou cirurgia.

O cérebro funciona por meio de impulsos elétricos: bilhões de neurônios trocam sinais constantemente para sustentar nossos pensamentos, emoções e comportamentos. Quando algumas dessas redes entram em desequilíbrio, sintomas e dificuldades podem surgir. É aí que a neuromodulação atua, ajudando a restaurar o funcionamento adequado.

Em pediatria, há uma ressalva importante: protocolos de estimulação magnética transcraniana (TMS) ainda não têm parâmetros de segurança validados para crianças e adolescentes. Por isso, o tDCS é a técnica preferida para esse público, por ter perfil de segurança mais estabelecido e ser bem tolerado a partir dos 3 anos de idade.

Principais técnicas:

  • TMS (Estimulação Magnética Transcraniana): utiliza campos magnéticos para estimular áreas cerebrais. Potente, mas ainda em estudo para crianças.
  • tDCS (Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua): aplica correntes leves (1–2 miliamperes) através de eletrodos. Técnica segura e indicada para pediatria.

Neuromodulação e Terapia: Por que uma não funciona sem a outra

Mirela foi categórica: "Para mim, só faz sentido fazer neuromodulação com terapia associada."

E por quê? Porque a neuromodulação, sozinha, não ensina nada ao cérebro. Ela prepara o terreno — cria uma condição de maior plasticidade cerebral — mas é durante as atividades terapêuticas que a criança aprende as habilidades necessárias.

Na prática, isso significa que durante a sessão de neuromodulação (que dura cerca de 20 a 30 minutos), a criança não fica parada. Pelo contrário:

  • Com o fonoaudiólogo, trabalha linguagem e comunicação;
  • Com a terapeuta ocupacional, pratica atividades motoras e cognitivas;
  • Em integração sensorial, explora estímulos específicos para o objetivo traçado.

Ou seja: a corrente elétrica abre caminhos, mas quem ensina a andar por eles são as terapias associadas.

A Janela de Oportunidade Neuroplástica

Outro ponto essencial que Mirela trouxe é o tempo. A neuromodulação cria uma janela temporal de maior neuroplasticidade — em média de 3 a 4 meses — em que o cérebro está especialmente receptivo para aprender.

Por isso, o protocolo inicial costuma ser intensivo: 10 a 20 sessões consecutivas, de segunda a sexta-feira. Essa frequência é importante para abrir e manter essa janela ativa.

Durante esse período crítico, cada esforço terapêutico conta. Quanto mais direcionada for a intervenção (fono, TO, fisioterapia, integração sensorial), maior o aproveitamento dessa fase em que o cérebro "absorve" novos aprendizados com mais facilidade.

Um Caso Real: a menina que aprendeu a comer sozinha

Para ilustrar, Mirela contou sobre uma paciente com autismo nível 3 que tinha capacidade motora para se alimentar, mas só aceitava comer se uma pessoa específica oferecesse a comida de um jeito específico.

O protocolo combinado foi:

  • Neuromodulação direcionada a áreas de funções executivas;
  • Terapias focadas em alimentação e flexibilidade comportamental;
  • Treino repetido durante as sessões.

O resultado? Em duas semanas, a criança começou a se alimentar sozinha, algo que parecia impossível antes.

Por que a neuromodulação sozinha não basta

Resumindo os principais motivos:

  • Ela cria condições, mas não ensina habilidades;
  • Precisa de direcionamento terapêutico para aproveitar a plasticidade cerebral;
  • Os ganhos só se consolidam com prática repetida e guiada.

Como disse Mirela, fazer neuromodulação sem terapia seria como "abrir uma janela e não fazer nada com ela".

Este conteúdo foi criado pela Equipe Blumei Psiquiatria a partir do Café com Especialista, com revisão de Mirela, Terapeuta Ocupacional especialista em neuromodulação pela UNIFESP.

Perguntas Frequentes

A partir de que idade pode ser feita a neuromodulação com tDCS?

A partir de 3 anos, respeitando o desenvolvimento neurológico da criança. O tDCS tem perfil de segurança bem estabelecido para pediatria.

Quanto tempo dura o tratamento com neuromodulação?

Protocolo inicial de 10 a 20 sessões consecutivas, seguido de 3 a 4 meses de terapias para consolidar os ganhos durante a janela de oportunidade neuroplástica.

A neuromodulação é segura para crianças?

Sim, o tDCS é seguro e bem tolerado. Possui perfil de segurança mais estabelecido que outras técnicas. A TMS ainda não tem parâmetros definidos para pediatria.

Por que a neuromodulação precisa ser associada a outras terapias?

Porque a neuromodulação aumenta a capacidade de aprender, mas quem ensina são as atividades dirigidas. Como explica Mirela: fazer neuromodulação sem terapia seria como "abrir uma janela e não fazer nada com ela".